Não bastasse a situação difícil, de já ter que lidar com uma doença ou uma adaptação em razão de um acidente ou, pior, quando se sente dores terríveis no corpo que impedem de andar e trabalhar, milhares de brasileiros sofrem com um atendimento muitas vezes aquém do justo nos postos do INSS. Mesmo tendo trabalhado a vida toda e tendo esse direito.
Alguns dirão que é por conta da alta demanda, uma vez que os funcionários não podem dar atenção maior a cada um. Até aí é compreensível, mas é fato que muitas vezes, diante do sofrimento com que o paciente chega ao posto do INSS, muitos funcionários agem com desdém, acreditando tratar-se apenas de “frescura”.
“Quando cheguei ao INSS, estava com duas hérnias de disco, nas vértebras L5 e L4. O médico na época mal me olhou nos olhos, e disse que se eu estava, podia trabalhar. Apesar da dor, eu tinha que ir lá, poxa, pedir o meu auxílio doença, estava com laudo médico, tudo certinho, e mesmo chorando de dor, o médico rejeitou meu pedido com base nessa análise. Eu tive que me virar, mesmo sem poder trabalhar ou ‘rastejando’ com dor pelo salão”, disse a cabeleireira Maria Cecília, 59 anos, do Tatuapé.
Adriana dos Reis Sobrinho, 33 anos, moradora de Carapicuíba, na grande São Paulo, enfrentou um problema parecido. A situação dela é um pouco pior. Faxineira e apaixonada por ajudar ao próximo, Adriana descobriu um tumor maligno nos ovários em dezembro de 2023. Com uma filha de 12 anos para criar e uma despesa média de R$ 1.500,00 (aluguel, água, luz e comida), a doméstica se viu em apuros:
“Sentia muito cansaço e não conseguia entender o porquê, até que comecei a sentir dores e desconfortos, quando fui ao médico, descobrimos um tumor maligno, de quase 5 cm em um dos ovários. E estava crescendo. Imediatamente iniciamos os tratamentos em Fevereiro, estava passando pela Policlínica e consegui atendimento no Hospital Pérola Byington, que hoje é chamado Hospital da Mulher. A médica me atendeu, iniciamos a Radioterapia e hoje estou quase iniciando a Quimio. Como poderia trabalhar com todo esse tratamento e as dores e o cansaço que nem me deixam ficar em pé?”, conta Adriana.
E continua: “Em março, fui até o INSS com o relatório médico, mostrando os exames e o médico, sem nem olhar direito para mim, me disse que eu ‘estava com uma cor ótima no rosto para quem tinha um tumor maligno…’ e meu pedido foi rejeitado. Minha médica achou um absurdo, chegou a me dizer: ‘será que eles querem que eu vá até lá mostrar os seus exames para eles acreditarem?’. Tentei novamente em abril, no dia 24, fui ao Posto lá em São Vicente, levei desta vez o laudo médico, mal podia falar e andar com tantas dores, recebi um copo de água, interagi com a médica e pra minha surpresa, o processo foi rejeitado, porque alegaram que ‘eu não tinha comparecido ao posto’, sendo que estava até com o protocolo de atendimento. Entrei novamente com pedido e o sistema acusou que eu tinha que pagar um complemento, visto que minha renda é menor que um salário mínimo. Paguei e desde então, o mesmo se encontra em análise. Estou sem receber nada, com contas e boletos atrasados, vivendo de doações”, desabafou Adriana.
A advogada Isandra Luz, que analisou o caso de Adriana, explica que foi necessário entrar com um mandado de segurança solicitando a aceleração do processo anterior e, ao mesmo tempo, fazer um novo pedido de auxílio no sistema. No entanto, assim que a entrevista foi concluída, o segundo pedido de auxílio foi atendido, e Adriana receberá o auxílio-doença até fevereiro de 2025. “No caso de Adriana, houve uma série de erros cometidos pelo INSS. Por isso, além de solicitar a agilidade na análise do processo anterior, optei por fazer um novo pedido, pois, mesmo com o processo judicial em andamento, o INSS poderia concluir o requerimento de forma inadequada, tornando necessário ingressar com uma ação judicial para a concessão dos valores atrasados. Fiz o novo pedido para garantir que ela já receba algum valor enquanto o processo anterior segue em andamento”, explicou a advogada.
Falhas no sistema
Isandra esclarece que Adriana enfrentou dois problemas que complicaram o seu caso: “O primeiro foi que o INSS registrou no sistema que ela não havia comparecido ao posto. Por conta disso, o benefício foi negado, sob a alegação de que ela não compareceu à perícia. No entanto, ela havia comparecido, e o comprovante que guardou foi fundamental para reverter essa decisão. O segundo problema foi que, como a renda dela era inferior a um salário mínimo, era necessário complementar as contribuições, algo que ela desconhecia. Adriana fez o pagamento da complementação após gerar o pedido, mas o ideal seria ter feito isso antes. Caso não tivesse realizado esse pagamento, ela não teria direito ao auxílio. Agora, é preciso aguardar a conclusão do outro processo para ver qual será o desfecho“, concluiu a advogada.
Questionada sobre o porquê de tantas falhas no sistema, que prejudicam a população, a advogada esclarece: “É falta de informação, tem servidor que muitas vezes não conhece a própria instrução normativa do INSS. Vou dar um exemplo para você, a doença da Adriana é uma doença que é isenta de carência, mas o servidor não lança no sistema que é uma doença isenta de carência e isso vai gerar uma complicação para pessoa receber o benefício. Daí vem o problema que aconteceu com Adriana, ela compareceu na perícia, mas talvez por falta de atenção do servidor – não tem como a gente afirmar qual foi o motivo, lançaram no sistema que ela não tinha comparecido, o que gerou a negativa do benefício. Tem muito benefício que é negado por falta de informação também da população que, com uma contribuição abaixo do salário mínimo, precisa complementar para conseguir o auxílio. Se a pessoa já faz essa complementação, fica mais fácil. Se a população não tem acesso à informação, isso prejudica”.
“Eu nunca cheguei a receber esse auxílio, mesmo precisando muito. Tomo remédios que amenizam um pouco meus incômodos e sou obrigada a remarcar muitos atendimentos, e trazer minha filha para me ajudar. Não fosse a compreensão dos clientes, seria bem mais difícil. Sinto dores fortes, mas continuei trabalhando e esse ano, há 5 meses, tive um infarto quase fulminante. Mesmo assim, vou esperar fevereiro do ano que vem, quando por absoluto direito, me aposento pela idade. A humilhação no INSS não vale a pena”, conclui Maria Cecília.
Roberto recebeu auxílio e depois perdeu
Roberto Rodrigues, 60, morador da Cidade Tiradentes, trabalhou a vida toda como vigia. Pai de família, um dia, se viu diante de dois elementos que o abordaram dentro de uma creche, à noite, em Guaianases. Covardemente apanhou muito, levou várias coronhadas e um deles tentou atirar várias vezes em sua cabeça. O revólver falhou. A vida de Roberto nunca mais foi a mesma: “Eu pensei que fosse morrer, além de apanhar muito, o bandido mirou na minha cabeça e eu só ouvi o estalo do revólver, quando por fim desistiram de me matar e foram embora, mas eu pensava muito em minha filha, pequena, na época, e depois disso, comecei a ter dores fortes de cabeça e crises de pânico, com muita ansiedade, suor frio, do nada, onde estivesse, tinha uma crise. Passei a tomar remédios controlados, tarja preta, e sem poder trabalhar, entrei com pedido de auxílio doença”.
Foram 3 anos de espera, entre idas ao INSS, sem trabalhar e sofrendo descaso. Um dia, diante dos laudos médicos, o auxílio saiu e ele o recebeu por 10 anos, até que o INSS cancelou o benefício: “No fim, durante 6 meses, eu recebia só 30% do valor até perdê-lo. Eles alegaram que a minha doença era passageira, visto que até hoje eu tenho sequelas e tomo os mesmos remédios. Eu vivo à base de remédios pesados, sem os quais não me vejo em tranquilidade. Fui obrigado a fazer bicos e rolos para tentar sobreviver – o que não é suficiente. Hoje, voltei a trabalhar como vigilante apesar da idade, tentando levar de forma “tranquila” se é que se pode dizer, enquanto muito político recebe até aposentadoria fácil, porque tem ‘coceira’ ou mesmo porque perdeu ‘só um dedinho’”, concluiu.
Roberto já tem tempo de contribuição suficiente para se aposentar, visto que começou a trabalhar muito jovem, mas pela lei, necessita atingir a idade mínima, que é 65 anos.
Isandra acrescenta uma orientação importante aos brasileiros: “É importante que se busque todas as informações pertinentes e ajuda necessária de quem entende das leis. Os erros e falhas mais comuns do INSS são o servidor não analisar o requerimento corretamente e lançar alguma informação no sistema errada, além de não orientar o segurado. Foi o que aconteceu e tudo de uma vez com a Adriana. Se ela soubesse, por exemplo, que tinha um prazo para análise do requerimento, já teria ido atrás disso bem antes. Cada requerimento tem um prazo para análise diferente, o prazo para análise do requerimento do acerto com as perícia, por exemplo, é de 30 dias. Toda atenção é pouca nestas horas”, conclui a advogada.
Reportagem: Fernando Aires. Foto: Divulgação.
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