Já imaginou como a cidade seria, se cada subprefeitura pudesse resolver os problemas de sua região com mais autonomia, liberdade e sem interesses escusos e nepotismo?
A divisão de poder tal qual a conhecemos hoje (Executivo – Legislativo – Judiciário) e que foi instituída pela Carta Magna de 88, tem por finalidade impedir a tirania de quem exerce cargos de grande confiança, além de aumentar a eficiência das gestões públicas. Foi inspirada na proposta do filósofo Aristóteles, na Grécia Antiga, registrada no livro “A Política”.
Ou seja, quanto mais igualitário for o poder, menores serão os riscos de uma sociedade cair nas mãos de um corrupto, um ditador, um tirano, além de melhorar a eficiência de diversas administrações e facilitar o acesso do povo a questões importantes. No entanto, mesmo diante de regimes “democráticos”, o povo enfrenta barreiras ao exercer suas escolhas.
Em São Paulo, o Art. 5º da Lei Orgânica do Município diz: “O Poder Municipal pertence ao povo, que o exerce através de representantes eleitos para o Legislativo e o Executivo, ou diretamente, segundo o estabelecido nesta Lei”. Pois bem: o paulistano elege prefeito e vereador, mas não pode escolher o seu subprefeito, que é indicado pelo prefeito.
Hoje, as Subprefeituras – idealizadas e criadas como independentes – exercem um papel fraco de zeladoria, secundário. Este mesmo repórter é a prova do quão difícil é requisitá-las para obter qualquer informação ou apontar uma necessidade na região.
Com isso, cobrar qualquer obra de reparo, segurança, iluminação, revitalização, limpeza e outros, que é direito de todo cidadão, acaba sendo cansativo e por vezes deixado de lado.
Contudo, e se as subprefeituras tivessem mais autonomia, não estando subordinadas às secretarias? E se o subprefeito tivesse mais liberdade de ação e a população participasse mais ativamente da sua política local? Por que isso não ocorre na prática?
“Quando o Franco Montoro era o governador [83-87], ele dizia que o cidadão mora no município, não no Estado. Isso para mostrar a importância da administração municipal. Nesse sentido, podemos dizer que o munícipe não mora na cidade, ele mora nos bairros. O munícipe precisa, portanto, ter o direito de opinar e participar do que ocorre em seu distrito, de forma ampla, e só fará isso se as instâncias de decisão estiverem perto dele. Tem que haver, sim, a descentralização de poder nas Subprefeituras”, afirma o ex-subprefeito da região da Penha, Luiz Barbosa de Araújo.
Atendimento precário
Para começar, não existe um canal direto nas Subprefeituras para atendimento público. Nem nas Secretarias. Os telefones apresentados não atendem. O único canal disponível é o 156. A impressão é que, o cidadão é direcionado propositalmente para a central, para desistir de reclamar ou solicitar algo.
“Eu precisei ter muita paciência para lidar com uma árvore enorme em frente à minha casa, na rua Bresser, e a Subprefeitura me direcionava para a Secretaria do Meio Ambiente. Levou tempo até entenderem que a árvore podia cair em cima do meu telhado e se dirigirem ao local [secretaria] para realizarem a devida poda e os cuidados. Eles passam a ‘responsa’ de um para o outro, com protocolos que se acumulam e depois, nada resolvem”, afirma Pedro Batista, morador na Mooca.
Se a pessoa for persistente e desejar mesmo ser atendida, será forçada a comparecer no balcão de atendimento da subprefeitura – isso se houver informação para lhe transmitir, o que implica no risco de a pessoa se dirigir ao local e “perder a viagem”.
Ocorre que, para tudo, as subprefeituras dependem das Secretarias e portanto, não possuem autonomia ou informação para oferecer à população. Não deveria ser o contrário?
“Entrei em contato com a Subprefeitura Cidade Tiradentes solicitando mais iluminação em minha rua, tendo em vista o perigo que estava à noite, e após longa espera no atendimento, me falaram para ligar no 156 ou na SP Regula Iluminação Pública, no telefone 0800 779 0156. As gravações são constantes, e claro, temos vida para cuidar, eu acabei desistindo”, afirma Anderson Caramico, residente na rua José Martinez, no Setor Ferroviário.
Como surgiram e para que servem as Subprefeituras?
É fato que a implantação das Subprefeituras na gestão Marta Suplicy foi importante. Teoricamente, a descentralização de poder já é um assunto que permeia a sociedade há décadas, com urgência, priorizando as necessidades de cada público local.
Isso já existe em outros países, inclusive. Na França, por exemplo, as “subprefeituras” recebem o nome de “sous-préfecture”, sendo responsáveis por cada “arrondissement” ou distrito francês. Em Portugal, as divisões regionais são chamadas de “Concelho”, sendo cada “subprefeitura” chamada de “Freguesia”. Tóquio, Londres e Nova Iorque têm projetos parecidos, com subprefeitos eleitos diretamente pela população local.
No entanto, na capital paulista, o caminho foi outro.
As Administrações Regionais foram criadas na cidade em 1973 visando uma acanhada descentralização. Em 86, o então prefeito Jânio Quadros, criou por meio de decreto 5 subprefeituras: Sé, Vila Maria, Santo Amaro, São Miguel Paulista e Penha. Naquela ocasião, as então administrações regionais, tornar-se-iam subordinadas às respectivas subprefeituras de cada região, sendo cada uma administrada por um subprefeito nomeado pelo prefeito da capital.
Contudo, o decreto do ex-prefeito foi anulado com a publicação da Lei Orgânica do Município, em 1990, a qual previa a implantação das subprefeituras no mesmo nível das secretarias, ampliando o número de instalações, a abrangência e com orçamento e autonomia próprios.
Faltava, então, a criação de leis que regulamentassem as atribuições das Subprefeituras, para que o projeto finalmente saísse do papel.
O projeto “rastejou”…
No Governo Luiza Erundina (1989-1993), um projeto de lei foi então encaminhado à Câmara, para regulamentar a proposta. Defendia a criação de conselhos participativos e a nomeação dos subprefeitos a partir de uma lista tríplice, escolhida em eleição direta pelo povo. Caberia ao prefeito escolher um dos três nomes apontados pela população local.
Houve resistência de vários setores. Somente uma década depois, na gestão Marta Suplicy (2001-2004), é que a proposta finalmente saiu do papel, fortalecida por causa da conturbada gestão do ex-prefeito Celso Pitta (1997-2000), na qual ocorreram inúmeros escândalos de corrupção dentro das Administrações Regionais, inclusive envolvendo vereadores importantes da época.
Enfim, as Subs!
Em meio a inúmeras discussões, rachas na Câmara e intrigas internas nas Secretarias, foram criadas 31 Subprefeituras em 2002, porém, longe da tão sonhada descentralização de poder. A Lei nº 13.399 vigora até hoje e prevê também que a escolha dos subprefeitos é de livre nomeação por parte do Executivo – ou seja, o prefeito opta pelos nomes que ocuparão os cargos – diferente do que se havia imaginado e pensado.
Hoje, são 32 Subprefeituras subordinadas às Secretarias do Município, em especial à Secretaria Municipal de Subprefeituras. São elas: Aricanduva/Formosa/Carrão; Butantã; Campo Limpo; Capela do Socorro; Casa Verde; Cidade Ademar; Cidade Tiradentes; Ermelino Matarazzo; Freguesia/Brasilândia; Guaianases; Ipiranga; Itaim Paulista; Itaquera; Jabaquara; Jaçanã/Tremembé; Lapa; Mboi Mirim; Mooca; Parelheiros; Penha; Perus; Pinheiros; Pirituba/Jaraguá; Santana/Tucuruvi; Santo Amaro; São Mateus; São Miguel Paulista; Sapopemba; Sé; Vila Maria/Vila Guilherme; Vila Mariana e Vila Prudente.
São também alvos de críticas pela má gestão e falta de autonomia, apontadas como fontes de interesses políticos e partidários entre os vereadores, além de se transformarem em “balcões” públicos de reclamação. E claro, consomem dinheiro público sem garantir retorno à população.
“Eu vi muitos profissionais que ali trabalhavam, não comparecerem diariamente, ou frequentarem quando quisessem, visto que foram indicados por vereadores com poder de decisão na região, para cargos dentro das Subprefeituras. Eu mesmo consegui trabalhar lá [subprefeitura] na época, por causa da indicação do falecido vereador Toninho Paiva, que tinha forte poder de atuação na área, e claro que eu queria trabalhar e fazia o meu melhor por isso, mas não era o caso de muitos outros indicados”, afirma um jornalista que já foi assessor em uma das subprefeituras de São Paulo e que não quis se identificar.
Onde a proposta falhou?
Segundo o professor e cientista político, Eduardo José Grin, em um estudo de mestrado realizado com 18 subprefeituras pela Fundação Getúlio Vargas e publicado na Scielo Perspectivas Humanas: “O problema gira em torno de duas questões: É preciso avaliar, primeiro, se o projeto das Subprefeituras, lá atrás, tinha unidade interna no debate governamental do PT, visto que o partido já tinha divergências internas sobre o assunto na campanha em 2000. E segundo, verificar como as Subprefeituras serviram para o governo consolidar sua coalizão de apoio na Câmara Municipal de modo distinto daquele apresentado na campanha eleitoral”.
Para o ex-subprefeito da Penha, Luis Barbosa Araújo: “Uma razão, talvez até mesmo a principal, é que o nosso país tem uma tradição fraca em democracia. Nosso Estado é de uma certa forma autoritário, ainda. Outra questão importante é que, a nossa população tem pouco engajamento com a política. Não há interesse da população em participar mais ativamente de reuniões, frequentar assembleias, discutir política local. E para completar, as secretarias raramente terão o interesse de descentralizar o seu poder e partilhá-lo com as Subprefeituras. Por outro lado, quem tem o poder de descentralizar é o prefeito e a Câmara. E somente farão isso, quando a sociedade se organizar e cobrar essa questão”.
Grin acrescenta: “A descentralização das políticas setoriais não foi uniforme. Cada Secretaria comportou-se de forma diferente e essa falta de unidade administrativa foi causada pelo temor desses órgãos perderem poder para as regiões. Agregue-se ainda o duplo comando ao qual estavam submetidas às Coordenadorias locais: hierarquicamente ligadas ao Subprefeito, mas dependentes da política oriunda da Secretaria Setorial. Tal desenho criou distintas áreas de poder e gerou impasses administrativos sobre o comando das políticas locais. A visão de Secretarias formulando e monitorando políticas, cabendo às regiões executá-las, não logrou êxito e fez com que a descentralização administrativa fosse errática e sem uniformidade”, concluiu.
Proposta na Câmara
Em 2016, o então prefeito Fernando Haddad, apresentou à Câmara o PL 04/2016, que previa eleição direta para as 32 subprefeituras da cidade. O vereador José Police Neto (PSD) também apresentou, meses antes, o projeto PL 0601/2015 com o mesmo intuito.
“O candidato a subprefeito vai ter que fazer um plano de governo para sua região, com base no seu orçamento. Isso vai mudar a qualidade do projeto apresentado para os bairros”, disse o então prefeito na época. Em uma palestra, acrescentou: “Se eu for reeleito, faço a eleição direta para subprefeitos por meio de decreto, porque acredito que a nomeação destas autoridades locais seja uma prerrogativa minha que pode ser delegada à população”.
Contudo, não foi o que aconteceu. Os prefeitos eleitos posteriormente foram José Serra, Gilberto Kassab, João Doria e Bruno Covas, que sem qualquer interesse na descentralização, nomearam os subprefeitos seguindo os velhos critérios.
Responsável pela criação do Ministério das Cidades, em 2003, a professora emérita da FAU-USP, Ermínia Maricato, discorda, por sua vez, da proposta de eleição de subprefeitos.
Segundo ela, existem diferenças sociais que pesam de forma econômica e administrativa em várias regiões da capital, podendo haver piora na qualidade de vida dos munícipes em áreas mais carentes, além de falsa participação na política local devido ao clientelismo político nos bairros: “Sem reformulações mais profundas, a descentralização de poder vai só aprofundar as desigualdades, e a prova disso são justamente os municípios periféricos das grandes regiões metropolitanas, como Mauá, Itaquaquecetuba e outros. A descentralização só funciona com uma política urbanística integrada, feita para corrigir incongruências metropolitanas de São Paulo”, conclui.
Para o ex-subprefeito da Penha, Luiz Araújo, a descentralização também não pode incluir apenas a eleição direta para subprefeito, é preciso que haja a participação democrática do povo em todas as discussões políticas que envolvem os bairros: “Não basta só eleger o subprefeito, tem que participar das reuniões, discutir as propostas orçamentárias para cada bairro, os problemas que são prioritários, enfim, isso é descentralizar o poder. Para tanto é preciso criar mecanismos para que essa participação ocorra de forma mais rápida, fácil, menos burocrática”.
Mais engajamento público
Uma cidade como São Paulo, com mais de 12,33 milhões de habitantes (SENSO 2020) superior a população de Portugal – 10,41 milhões, não poderia ser melhor administrada se cada subprefeitura tivesse o real poder de uma “mini-prefeitura” e as atuais secretarias fossem subordinadas às mesmas?
Hoje, as subprefeituras são subordinadas às secretarias. Será que tais transformações não garantiriam mais avanços econômicos e sociais na capital?
“Nós tivemos experiências maravilhosas e também algumas frustrações. Enquanto subprefeito, quando tinha condições de fazê-lo, eu gostava de me sentir útil. Principalmente em períodos quando as chuvas castigavam as áreas de risco, áreas próximas dos córregos Tiquatira, Gamelinha, atendendo as famílias necessitadas. Se você tiver qualquer problema em uma região da capital, que envolva uma dificuldade de matricular tantas mil crianças em creches e escolas, por exemplo, o prefeito não vai ter condições de se dedicar exclusivamente a este e outros problemas. Já o subprefeito tem essa facilidade. A única frustração é quando esbarramos nas limitações já conhecidas que nos impedem de ir além e continuar ajudando”, e finaliza: “Eu sou um grande entusiasta da descentralização de poder em São Paulo”.
Este repórter, sem pretensões, lança uma reflexão: Por que como um todo, nossa sociedade não se une e cobra essa descentralização como sempre deveria ter existido? Por que não lutar por uma administração local mais forte que conheça de fato cada bairro como sua própria mão? Por que não seguimos o exemplo de outras grandes nações e começamos a exercer uma política forte e local?
Será que a cidade de São Paulo tem mais a ganhar ou a perder com isso?
Reportagem: Fernando Aires. Foto: Divulgação.
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